Notas fiscais inidôneas: como evitar autos de infração

maio 5, 2019 Artigos

Jandir J. Dalle Lucca (*)

Fonte: O Estado de S. Paulo. Dia 5/2/2019. Link

Segundo dispõe o artigo 59 do RICMS/SP, o direito de crédito do imposto decorrente de mercadoria entrada ou prestação de serviço recebida é condicionado à existência de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco.

De acordo com os itens 3 e 4 do § 1º do mesmo dispositivo, considera-se “documento fiscal hábil, o que atenda a todas as exigências da legislação pertinente, seja emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco e esteja acompanhado, quando exigido, de comprovante do recolhimento do imposto”, sendo “situação regular perante o fisco, a do contribuinte que, à data da operação ou prestação, esteja inscrito na repartição fiscal competente, se encontre em atividade no local indicado e possibilite a comprovação da autenticidade dos demais dados cadastrais apontados ao fisco”.

Nos casos onde exista suspeita da prática de infração à legislação tributária, no âmbito do Estado de São Paulo é frequente a instauração de Procedimento Administrativo de Cassação (PAC) ou de Procedimento Administrativo de Constatação de Nulidade de Inscrição (PCN),nos termos da Portaria CAT nº 95/2006, via dos quais a fiscalização realiza diversas diligências tendentes à apuração de eventual ilícito.

Quando o procedimento confirmar a existência de motivos ensejadores de cassação ou de nulidade da inscrição estadual, serão proferidas decisões administrativas decretando esses efeitos, inclusive com a indicação da data a partir da qual as operações praticadas por aquele contribuinte serão consideradas inidôneas, com posterior publicação no órgão oficial de imprensa.

Por conseguinte, todas as empresas que tiverem adquirido mercadorias de fornecedores declarados inidôneos no período em questão poderão ter as respectivas operações glosadas pelo fisco, inclusive com a exigência do respectivo crédito de ICMS.

Esse arcabouço probatório, como é resultado de investigação realizada a posteriori, poderá atingir retroativamente operações realizadas antes mesmo da instauração do procedimento administrativo contra o fornecedor.

Contudo, o Tribunal de Impostos de Taxas do Estado de São Paulo (TIT), que é o órgão paritário de julgamento de processos administrativos tributários decorrentes de lançamento de ofício (autos de infração), sedimentou sua jurisprudência no sentido de admitir que o adquirente se credite do imposto, ainda que lastreado em documento fiscal inidôneo,desde que seja comprovada a sua boa-fé, mediante a presença cumulativa de determinados pressupostos, alinhando-se ao entendimento já consolidado pelo STJ.

De acordo com tal orientação jurisprudencial, é legítimo o aproveitamento do crédito de ICMS, mesmo que destacado em documento declarado inidôneo, condicionado, porém, à observância concomitante dos seguintes requisitos: (i)a publicidade da declaração de inidoneidade deve ser posterior à celebração do negócio jurídico; (ii)comprovação de que o adquirente adotou as cautelas de verificação da regularidade fiscal do fornecedor; (iii) demonstração da efetiva ocorrência da operação; e (iv) prova dos pagamentos relativos às operações praticadas.

Quanto ao primeiro requisito, é evidente que se a publicação do ato declarando a inidoneidade do fornecedor for anterior à operação, o presumido conhecimento do adquirente de tal circunstância não será condizente com a alegação de boa-fé.

O segundo requisito tem por finalidade a demonstração da cautela adotada pelo adquirente no sentido de averiguar a situação cadastral do fornecedor, notadamente pela consulta ao Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços – SINTEGRA (parte considerável dos juízes integrantes do TIT/SP entende que após a implementação da NF e tal diligência ficou obsoleta e desnecessária, pois de acordo com a Portaria CAT nº 162/2008 a NFe não será emitida caso o fornecedor apresente qualquer irregularidade cadastral).

No que tange ao terceiro requisito, a prova de ocorrência das operações deve ser feita especialmente pela apresentação das tratativas comerciais (pedidos, contrato de fornecimento, correspondências, etc) e pela demonstração da efetivação do transporte (ainda que seja de responsabilidade do fornecedor).

Por fim, quanto ao último requisito, é necessário provar que o pagamento foi feito mediante a transferência de recursos do adquirente para o fornecedor, via sistema bancário, no exato montante da operação.

A comprovação de alguns dos requisitos acima referidos, contudo, poderá se revelar extremamente difícil ou até mesmo impossível, dependendo das circunstâncias envolvidas e do tempo decorrido, pois normalmente as operações cujos créditos são glosados pela fiscalização ocorreram vários meses ou até mesmo anos antes da lavratura de auto de infração.

Desse modo, para prevenir autuações ou possibilitar o oferecimento de defesa administrativa com maiores chances de sucesso, recomenda-se que as empresas incorporem práticas de compliance que possibilitem a criação de dossiês dos fornecedores e respectivas operações, compostos pelos documentos mencionados no Ofício DEAT 24/2013, entre os quais se destacam as provas de: (i)realização de consulta sobre a situação cadastral do fornecedor; (ii)das tratativas comerciais(não devem ser documentos unilateralmente emitidos pelo adquirente);(iii)do transporte (conhecimentos ou contratos de transporte), ainda que seja de responsabilidade do fornecedor; e (iv)do pagamento, não sendo aceitos comprovantes emitidos a partir de sistemas bancários do tipo Pagfor ou Sispag, nos quais caiba ao usuário pagador preencher os dados referentes à linha digitável do boleto bancário (representação do código de barras).O comprovante deverá indicar como pagador o adquirente e como recebedor o fornecedor.

Além disso, existe grande controvérsia em relação aos pagamentos realizados para empresas de fomento mercantil (factoring). Nas situações em que o título tenha sido negociado pelo fornecedor, é recomendável que o adquirente possua comprovação dessa operação emitida pelo próprio fornecedor. Nas situações em que o pagamento for feito por meio de crédito em conta bancária, é indicado que se apresente cópia do cheque compensado pela instituição financeira sacada (microfilme), juntamente com comprovante de crédito em que constem os dados do fornecedor. Em alguns casos, é também recomendável a apresentação de cópia dos extratos bancários com os dados dos cheques ou das transferências levadas a débito.

A análise de todos esses elementos é de grande subjetividade, havendo aqueles que, mais rigorosos, entendem que todos os requisitos devem estar totalmente demonstrados para que se possa admitir o crédito baseado em documento fiscal considerado inidôneo, assim como, no lado oposto, há os que mitigam vários daqueles requisitos.

Diante desse cenário, as empresas que desejarem evitar a lavratura de autos de infração ou se municiarem de documentação apta ao exercício do direito de defesa, deverão criar processos internos que permitam reunir o máximo de provas possível.

(*Jandir J. Dalle Lucca é advogado tributarista e empresarial e juiz integrante da 1ª Câmara Julgadora do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT). Especialista em Direito Tributário pelo CEU Law School

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