Nem sempre a governança tributária é suficiente para impedir a lavratura de autos de infração, seja por falhas inerentes à aplicação da vasta e complexa legislação fiscal, seja em decorrência da interpretação discordante que o fisco e o contribuinte podem lhe atribuir, ou ainda em razão de eventual inconstitucionalidade ou ilegalidade de determinadas exações.
Em tais situações poderá ser instaurado o processo administrativo tributário, mediante a apresentação de impugnação administrativa.
Numa visão pragmática, abstraindo-se a premissa de que a Administração tem o dever de cumprir o princípio da verdade material e promover a revisão de seus próprios atos, exercendo o controle de legalidade do ato administrativo, de modo que a norma cabível seja aplicada aos fatos devidamente apurados, e reconhecendo-se a litigiosidade que cerca todo o desenvolvimento do processo administrativo fiscal, restará ao contribuinte se defender adequadamente, utilizando todos os meios e recursos previstos na legislação de regência para que possa alcançar o desfecho que melhor aprouver aos seus interesses.
Dentro desta ordem de ideias deverá ser concebida a estratégia de defesa, mediante a avaliação da conveniência da utilização das diversas ferramentas processuais disponíveis. Muito embora esses instrumentos possam variar de acordo com a legislação específica de cada ente tributante (União Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios), há um núcleo comum de providências que terá cabimento em qualquer circunstância.
Como se sabe, a apresentação de impugnação e recursos posteriores suspende a exigibilidade do crédito tributário até que ocorra o trânsito em julgado da decisão administrativa (CTN, art. 151, III).Tal efeito é, sem dúvida, o primeiro grande atrativo da instauração do processo administrativo fiscal, pois evitará que o crédito tributário seja inscrito em dívida ativa e, por via de consequência, que o contribuinte possa desde logo sofrer o ajuizamento de execução fiscal.
Conquanto a suspensão do crédito tributário possa representar uma consequência desejada e indicada na maioria das situações, é necessário cotejá-la com o benefício normalmente oferecido pelos sujeitos ativos de desconto nas penalidades, caso o contribuinte renuncie ao direito de litigar administrativamente e realize o pagamento no prazo cominado.
Essa análise por certo deverá ser realizada levando em consideração a viabilidade jurídica das teses que poderão ser apresentadas na impugnação administrativa. Mas, além disso, fatores extrajurídicos também deverão ser ponderados, como a disponibilidade financeira para a realização do pagamento e a perspectiva de o ente tributante vir a oferecer programas de pagamento incentivado, quando normalmente são oferecidos descontos nas multas e até mesmo nos juros incidentes.
A mensuração desses elementos jurídicos, financeiros e políticos constitui uma equação que será melhor resolvida pelo concurso de agentes de diversas especialidades, e não apenas dos operadores do direito, envolvendo o sopesamento de fatores objetivos (como os financeiros) e subjetivos (como os políticos), além dos exclusivamente jurídicos (como a análise do direito e da jurisprudência aplicáveis ao caso).
A partir dessa avaliação inicial e uma vez estabelecida a conveniência da apresentação da impugnação administrativa, seguir-se-á a definição das teses que comporão a matéria de defesa e dos meios de prova que serão produzidos no processo administrativo.
A eleição das teses defensivas não deverá prescindir da interpretação da legislação e da jurisprudência inerentes ao tributo e ao ente tributante em questão, pois poderá haver limitações quanto o seu conhecimento por parte do órgão julgador administrativo.
Do mesmo modo, a escolha das provas que serão produzidas também dependerá da análise das prescrições legais que versem sobre o contencioso fiscal em questão, seja quanto à modalidade, seja em relação ao momento de produção, assim como da interpretação dada a tais dispositivos pela jurisprudência administrativa. Normalmente a prova documental deverá ser oferecida juntamente com a impugnação, mas essa regra é por vezes flexibilizada pelos tribunais administrativos pela aplicação dos princípios da verdade material, da instrumentalidade das formas e do formalismo moderado.
Contudo, por vezes o lapso temporal entre a notificação da autuação fiscal e o prazo para o oferecimento da impugnação, que na maioria dos casos é de trinta dias, é insuficiente para a reunião das provas necessárias, muitas vezes relativas a fatos ocorridos muitos anos antes.
Portanto, se a atividade desempenhada pelo contribuinte o sujeitar a questionamentos fiscais frequentes, constituirá estratégia recomendável a antecipação da produção de determinadas provas, mesmo antes de eventual notificação fiscal para prestar esclarecimentos ou da lavratura de auto de infração.
Diante desse cenário, é recomendável que as empresas incorporem práticas de compliance tributário que possibilitem a criação de dossiês probatórios dos aspectos que, pela experiência, poderão ser alvo de questionamentos fiscais futuros, sempre considerando as diretivas da jurisprudência judicial e administrativa sobre o tema.
Com essas providências preventivas, poderão não apenas ser evitadas autuações, mas, se confirmadas, o oferecimento de defesa administrativa terá maiores chances de sucesso.
As práticas de compliance tributário são, desse modo, intimamente relacionadas à efetividade da gestão tributária e também do processo administrativo fiscal nos casos onde seja inevitável a lavratura de autos de infração, incrementando as chances de êxito mediante a adoção de medidas preventivas tanto para evitar o desatendimento de obrigações, mas também para municiar a empresa de elementos probatórios que servirão de suporte para as teses defensivas no curso do contencioso fiscal.
Em resumo, o processo administrativo fiscal poderá constituir uma ferramenta relevante de gestão tributária, cuja maior ou menor eficácia dependerá da implementação de medidas prévias e contemporâneas ao seu desenvolvimento, desde a adoção de práticas de compliance aptas não apenas para evitar o descumprimento de obrigações tributárias e respectivas sanções, mas consistentes o suficiente para oferecer elementos probantes no caso de autuação fiscal, passando pela avaliação multidisciplinar da conveniência da impugnação administrativa e da interposição dos recursos cabíveis.
Jandir J. Dalle Lucca
Advogado empresarial. Especialista em Direito Tributário.
Juiz Titular do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP)
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo